domingo, 8 de junho de 2014

Você vai suar, vai ter diarréia, depois vai constipar. Sua pressão vai despencar. Suas crises de enxaqueca vão piorar. Ou você vai enjoar, a pressão vai subir, vai ter dor nas costas, falta de ar, varizes, hemorróidas.

A lista de "contra-indicações" é grande.

Vão te despersonalizar. Você vai virar um invólucro, uma embalagem. Um ser sagrado.

Gente estranha vai se sentir no direito de te dizer o que comer. Ou, sem a menor cerimônia ou pedido de licença, vão alisar sua barriga na fila da pipoca.

Você vai se sentir sozinha, mesmo que não esteja. E vai se sentir invadida, também.

Vai acontecer tudo isso e muito mais. Ou não. Cada gravidez é diferente. Porque cada mulher é diferente. Assim como cada feto e futura criança.

O que não muda e acontece a todas nós, te adianto: cérebro de mãe entorta.

Mais cedo, ou mais tarde, teu cérebro entortará.

O que eu quero dizer com isso?

Que você pode ser a pessoa mais racional do mundo. E aí você engravida. E vira mãe, ou meio que vira, ou está virando.


Raciocinar continua fazendo todo o sentido. Mas, o sentido, o sentido em si, esse é que importa.

Você vira instinto. Mesmo aquelas que, como eu, sempre foram ótimas em ignorar o próprio, porque afinal, instinto não é raciocínio.

Mas... ah, mãe. Mãe é diferente. Funciona em outra vibração. Em outra dimensão, talvez.

Você vai sentir todos os cheiros, mesmo numa cidade que cheira tudo a fumaça como São Paulo. E vai sentir no ar se virá chuva, raio, se tem perigo.

Vai enxergar o que não via antes. Você não precisa de visão focal, amiga. Precisa ver o que vem das sombras, o que vem comendo pelos cantos. Então, tua visão periférica aumenta.

Você vai aprender a se resguardar. Não adianta gastar toda energia agora. Você vai precisar dela, depois. Para parir. Para correr atrás da cria.

Você vai identificar toda criança como cria. Cria tua, ainda que emprestada por três segundos. Quem deixou essa criança solta aqui? Ah, lá está o pai... ufa, a musculatura relaxa.

Vai acordar à noite, com qualquer ruído, mudança de temperatura. Vai levantar, fazer a ronda. Voltar para cama só quando tudo estiver bem.

Vai se irritar com as coisas ainda por fazer, ficar ansiosa, brigar. Vai querer arrumar o ninho. Tê-lo pronto.

Vai ouvir com atenção, com o dobro de atenção, ou o triplo, o que dizem as avós, as mães. Porque elas sabem o que você precisa aprender.

Vai ver tua mãe de outra forma. Vai entender muita coisa. Mesmo que seja para continuar discordando.

Vai saber, mesmo sem nenhuma ameaça ou perigo, que você morreria. Vai entender todas as mães e os pais que morrem por seus filhos. 

E, estranhamente, vai saber que isso é instintivo. Não é nada pensado. Não é um ato altruísta. É o que chamamos de amor. Mas é, antes de tudo, algo mais básico, mais primitivo.

Vai se identificar, finalmente, como outro animal. Nada superior. Nada de topo da cadeia alimentar. Nada de sapiens. 

Apenas uma fêmea, prenha, a natureza te preparando para parir, perpetuar a espécie, e fazê-la sobreviver.

E não vai se importar. Vai saber que é assim. Que tem que ser assim. Que é belo que seja assim.

Afinal, é isso o que você é, fêmea. E prenha. 


domingo, 11 de maio de 2014

Você tem filhos?

A pergunta está no papel, olhando para mim. Num questionário qualquer.

Eu tenho filhos?

Posso responder que tenho 6/9 (ou seja, 2/3) de um? 

Ou dá para arredondar? Tipo, contar com o ovo no canal vaginal da galinha? 

Só é filho depois que nasce?

Ou já é filho desde sempre? Mesmo quando você nem sabe que tá grávida, ainda? Ou quando tem meses de gestação pela frente?

Eu não sei responder essa pergunta. Daí, viro pra moça e questiono:

"Moça, eu tenho filhos? Olha, eu tô grávida. Posso responder que sim?"

Ela fica me olhando. Talvez nunca tenha pensado nisso antes.

O Fá me diz: "não, amor, você ainda não tem filhos".

"Mas, ao mesmo tempo, eu tenho. Meio que tenho, não é?"

Lembro do conto do Malba Tahan sobre o desafio que um rei muito rico lançou. Aquele que fizesse uma afirmação que não fosse nem mentira e nem verdade, ficaria muito rico, casaria com a linda da filha dele (sempre tem uma filha linda de um rei rico nessas histórias, pronta para casar com quem papai mandar) e seria feliz para sempre.

Quem contasse só uma mentira, ou só uma verdade, ficaria sete anos preso no palácio da mentira (todo em mármore negro), ou no palácio da verdade (todo em mármore branco), conforme o caso.

Eu ganharia, agora, penso. Bastaria dizer: "eu tenho um filho" ou "eu não tenho um filho". Qualquer das duas me serviria.

A resposta que o vencedor da história dá ao rei é muito mais simples, no fim das contas.

Aos olhos da lei, eu não tenho um filho. Pessoas só existem para o Direito Brasileiro DEPOIS que elas nascem.

Aos olhos da ciência, minha gestação já está num ponto (seis meses) que sim, eu tenho um filho. O ser humano que estou gerando já poderia sobreviver fora do útero (com alguma ajuda médica, muito possivelmente). Ele é um ser viável. Logo, ele existe.

Aos meus olhos, aos do pai, dos avós, dos tios, tios-avós, primos, amigos, etc., ele já existe. Desde que tomaram conhecimento da sua existência. E, como se isso fosse possível, a cada dia ele existe mais.

Primeiro, ele era só uma coisinha inesperada que tinha nos acontecido. Um girininho. Depois, um pequeno híbrido alien-humano. Com dedos, mãos, pés, tudo que nós, aqui do lado de fora, temos. Uma coisinha realmente incrível. Era o bebê. Depois, esse bebê foi criando contorno mais nítidos. Virou um menino. O menino. 

Esse menino que ainda nem tinha nome, mas para quem já se tinha tantos projetos, sobre quem se falava tanto, por quem se torce tanto. Já tem roupas, brinquedos. Já se discutiu até seu time de futebol...

Aí, o menino ganhou um nome. Os bons-dias e as conversas com a barriga passaram a parecer mais normais. Existe um garoto aqui, determinado, com nome próprio.

Papai já pensa na poupança para a faculdade. Harvard, MIT, a que ele quiser... E quando chega em casa do trabalho, ele pergunta do meu dia e do dia do filho. Conversa com ele, com a boca colada à barriga e perdeu a vergonha de beijá-la em público. Não é mais uma barriga. É o menino.

Ele já dança e já tem preferências musicais. Adora Vinícius e se tiver tocando "A Arca de Noé" ele fica acordado até tarde. Que se pode fazer?

A gente aprendeu a senti-lo e quando o apertamos, ele responde com um chute. E prefere que eu deite de barriga pra cima, ou chuta e chuta até que eu me vire. Adora ficar da cabeça para baixo e eu passo o dia a sentir seu pezinho roçando minhas costelas, ou chutando meu estômago.

E eu? Eu faço uma pequena prece diária a quem quer que esteja ouvindo, pedindo que ele nasça saudável e que seja bom. O imagino correndo pela casa, atrás dos gatos. Querendo ser astronauta, ou pintor. Torcendo para que queira viajar pelo mundo. 

Às vezes, eu sonho com ele. Tem diferentes idades e é sempre diferente. Loirinho, galego como o pai. Ruivo, como a avó. Parecendo um indiozinho como a tia que sumiu. Ele nunca se parece comigo. Mas, eu sempre sei quem ele é e que ele é meu. 

Meu filho.

Então, moça, como é que eu respondo isso? Eu tenho ou não tenho filhos?


Feliz dia das mães.


domingo, 27 de abril de 2014



Sim, linda, nós vamos falar de cocô. 

Cocô, as fezes, não a fruta (que é SEM o acento circunflexo, tá?). Merda.

É, eu sei. Mulher não faz cocô, não solta pum, e muito menos fala de cocô, que dirá escrever sobre!

Quer dizer, menos eu. 

Eu sempre falei de cocô. Mas normalmente me refiro a ele como merda. E eu faço cocô. E fico super feliz com isso. E também solto pum, peido e tal. 

Não, isso não tem a intenção de ser um post escatológico, ou pra chocar a sociedade.

É para você se acostumar, mesmo.

Cocô vai ser uma das palavras mais pronunciadas por você, futura mamãe. 

Pessoas que já adentraram a "mamislândia" podem te confirmar que um dos assuntos mais comentados nas rodas de mães de bebês é o raio do cocô, quanto pesa, a cor, etc... etc. Então, para de fazer cara de nojo e encara logo essa... merda.

Na verdade, uma outra.

Já disse que enjôo é o sintoma gravídico universal. Toda mulher acha que vai enjoar quando grávida. E muitas enjoam, mesmo. Mas, essa não é a única alegria da maternidade.

A outra tem a ver com o cocô. Ou com sua capacidade de produzi-lo.

A dona aqui, por exemplo, sempre foi "na média"com cocô. Uma vez a cada dois dias. Uma vez por dia, nos períodos felizes de alimentação mais regular.

Caganeira, diarréia? Só em caso de calamidade pública e virose "à beira da morte".

Ou princípio de gestação. 

Sim, minhas lindas, pode acontecer com vocês. E é normaaaaaaaaaaaaaaal, como lhe dirá seu médico.

Por quê? 

Bom, pode ser porque seu organismo, como o meu, rejeite alguns alimentos até então desconhecidos (mamão, que porra é essa?!, perguntou o intestino incrédulo) e cheios de fibras, que você, mamãe preocupada passou a ingerir para gerar um bebê saudável e nutrido.

Também pode ser porque o seu organismo está criando espaço. Ahã. Sabe aquela história de que o útero (vazio, tá?) é do tamanho do seu punho fechado? Grávida, ele aumenta. E nosso corpo não é exatamente um condomínio com amplos terrenos disponíveis. Quando um órgão cresce, ele espreme os outros. E quem é vizinho do nosso amigo útero? 

Sim, o intestino (e a bixiga, por isso você também tem vontade de fazer xixi de 5 em 5 segundos). Daí que é normal, conforme o útero cresce, ter umas crises de diarréia.

Realmente, uma dádiva. Pensa que é dieta detox, se te ajudar. 

Claro, se a diarréia não cessar, ou se agravar, fale com o seu médico. Pode ser mesmo uma virose. 

Enfim, eu não enjoei, como disse. Mas, não podia olhar duas vezes prum caldo de cana, um suco de uva integral e até uma torrada sem manteiga, e lá ia eu em desabalada carreira para o banheiro mais próximo, esperando em Cristo que ele estivesse munido de um papel higiênico decente, ou de qualquer papel, a depender do banheiro.

Quase provoquei um acidente automobilístico familiar na primeira dessas experiências. Foi o raio do caldo de cana. Achei que não devia tomar, mas a gula falou mais alto... pelo menos pedi o pequeno.

Exatos 30 minutos depois, eu estava me contorcendo no banco de trás do carro, tentando não dobrar de dor de barriga, para não deixar minha irmã, que estava dirigindo, ainda mais apavorada com os meus pedidos de "por favor, pare o carro num bar qualquer, que eu preciso usar o banheiro".

Cólica no começo da gestação sempre dá um medão no povo todo. Em nós, inclusive. Mesmo quando a gente sabe que é dor de barriga. 

Numa situação dessa, filha, todo mundo vai saber que você faz cocô. Pacas, aliás. Você vai precisar pedir pro marido, mãe, pai, amigo, chefe, parar o carro, eventualmente, ou descer do ônibus, do metrô, ou vai levantar e sair correndo já abrindo a calça. E vão todos ficar ansiosos toda vez que você fizer cara de quem comeu banana verde. Porque "tomara que seja uma caganeira"e não uma cólica realmente preocupante.

Portanto, fica a dica, aceite que você faz cocô. Caga. Vai te ajudar a passar essa fase.

Sim, porque é uma fase. Depois dela, vem outra. Que também tem a ver com o cocô.

Poderia ser batizada como "cocô-zero". Mas, inventaram um outro nome: prisão de ventre. 

Pois é. Da abundância à escassez... uma lição de vida, praticamente. 

Para nós, mulheres, ou boa parte de nós, esse assunto não é exatamente novidade, né? O trânsito intestinal das fêmeas da espécie humana nunca foi lá essas coisas. 

Pois é. Na gravidez, PIORA. 

E qual a diferença, então, dos tempos A.G (antes da gestação)? Você (e seu humor) estão mais sensíveis a variações de temperatura, pressão e frequência intestinal, por assim dizer.

A palavra entupida talvez nunca faça tanto sentido, como então. Pois é exatamente assim que você se sente. 

Tudo o que você vai querer na vida é comer uma caixa de cereais com fibras e ter um momento libertador no vaso sanitário. Sem dor e sem ilusões... 

Fibras, as castanhas, os mamãos (mamão é vida!), os activias... você vai testar qualquer coisa, acredite!

E vai comemorar cada cocôzinho que conseguir fazer. Se tiver um marido, namorado... enfim, alguém que seja parceiro/a nessa gravidez, ele/a vai comemorar junto com você. 

Eu, nessas horas, acabo sempre lembrando do meu pai. Quando a gente era criança ele fazia uma coisa que era bastante irritante e nos deixava (pelo menos a mim) envergonhados. 

Se a gente demorasse mais de dois minutos no banheiro, quando saíamos, ele perguntava se a gente tinha feito cocô. Se a resposta fosse sim, ele perguntava a cor, se era grande, em bolinhas etc. 

Não sei até hoje se ele estava fazendo algum estudo sociológico sobre o cocô dos filhos, se era algum tipo de monitoramento paternal da nossa saúde, ou se era só pra irritar já que a gente ficava puto da vida com essas perguntas.

Talvez fosse para nos libertar da vergonha do cocô. Essa coisa da gente não assumir que caga, falar que caga e, principalmente, saber que cagar é importante.

Tem muita gente no mundo que a gente diz que é mal amada, mas que na verdade sofre de prisão de ventre. Acredite. 

Fato é que, grávida, eu descobri que o cocô, sim, traz felicidade. E que a gente não deve ter vergonha disso.

E que, se meu pai fosse vivo, eu ficaria amarradona em dizer pra ele: "pai, fiz cocô! Tô livre!".

Então, linda, cague e seja feliz. Perca a vergonha do cocô.


PS: no fim da gravidez, as diarréias podem voltar, porque o bebê está com quase meio metro e o espaço interno é o equivalente a um porta malas de fusca, com estepe. 

PS2: se você achou esse texto nojento e sem noção... bem, lembre-se dele quando tiver hemorróidas (outro sintoma bem comum da gravidez e associado à prisão de ventre).

PS3: sim, cocôs reprimidos ou libertos normalmente vem acompanhados de gases. Grávidas peidam.


domingo, 30 de março de 2014

Quando você conta que está grávida, logo após os parabéns, as pessoas logo te perguntam "mas, você tá enjoando muito?". 

Enjôos. Aparentemente, o único sintoma gestacional mundialmente conhecido.

Se você não tem, rola quase uma decepção da audiência. Talvez te perguntem se você está mesmo grávida.

Eu não enjoei. Pelo menos não a ponto de virar um sintoma gestacional.

Mas, como todo mundo, fiquei esperando que os enjôos viessem.

Por quê? Sabe-se lá! Eu odeio enjoar, odeio vomitar. Então, não tenho a mínima idéia do porquê fiquei esperando por eles.

Talvez por isso. Por serem sintomas mundialmente reconhecidos como gravídicos. Enfim, um território conhecido. Ajoelhar na frente do vaso sanitário e botar os bofes para fora.

Mas, não.

Eu só botei pra fora o pão-de-queijo de 50 anos que o Fá comprou pra mim no dia do ultrassom no hospital. E meses mais tarde, a vitamina para gestantes que desceu pelo buraco errado.

Enjoei um pouco outras vezes. Mas, nada demais. Tudo pôde ser atribuído a ler e chacoalhar no ônibus ao mesmo tempo.

Eu tive outras coisas. Sobre as quais não se comenta muito...

E, na verdade, esse post é sobre isso.

Sobre nossa ignorância.

Sabemos que podemos engravidar e como isso acontece. Mas, depois que acontece, e aí? O que sabemos sobre isso?

Que vamos enjoar, que os peitos e a barriga vão crescer e que, em algum momento lá pelos 9 meses ou 40 semanas de gestação, o bebê vai precisar sair. O parto. Pois é. Se for normal, vai doer e vamos gritar como bezerras sendo exorcizadas. Se for cesárea, vamos tomar uma droguinha, o médico vai fazer um corte na nossa barriga e tirar o bebê lá de dentro.

Bom, em 9 meses tem que acontecer algo mais do que isso, não?!

Não pode ser só o peito e a barriga crescendo e a gente brincando de poltergeist.. 

Mas o que acontece, então?

Perguntei para minha mãe e outras mães e as respostas que eu obtive foram todas num sentido "ah, a maternidade é linda. Curta sua barriga..."

Ok, pessoal. Eu vou curtir. Estou curtindo. Mas e o resto? Tem alguma coisa além disso que eu deva saber?

Não, fica tranquila. A maternidade é linda. Dá a toda mulher um brilho. 

Um brilho? Até onde eu tô vendo, esse brilho é suor! 

E ninguém vai te dizer isso! 

Mas, a gravidez te faz suar pra caralho! Literalmente. 

sábado, 22 de março de 2014

Quando eu saí da sala de ultrassom em choque por descobrir, confirmar, enfim, por estar grávida, o Fá me esperava na sala.

Ele lia uma revista e não parecia estar preocupado.

Quando eu disse a ele que tinha alguém dentro do meu útero, ele me abraçou e riu e chorou. Ao mesmo tempo.

Depois, ele passou para a fase do choque, como eu.

E alternou essa fase com a do desespero. 

A do medo.

A da preocupação.

A da euforia.

Logo no começo, era possível ouvi-lo murmurando nesses diferentes tons e contextos "eu vou ser pai!".

Ele também protagonizou a cena macho alfa. Acho que foi na esteira rolante que liga a estação Paulista à estação Consolação do Metrô.

"Eu sou foda. Eu sou o macho alfa. Eu fecundei a minha fêmea". 

Juro. Com essas palavras. Com direito a bater no peito e tudo.

Mesmo no auge do seu orgulho viril, no entanto, ele é um homem enfrentando uma realidade diferente e apavorante: a da paternidade.

E paternidade é uma coisa muito mais abstrata que maternidade. 

E homens, em geral, têm problemas com abstratos e subjetivos.

O bebê não está no corpo deles. Nós dizemos "estou grávida", eles nos olham e vêem a mesma pessoa de 3 minutos antes.

Nós reclamamos de enjôos, dores de barriga, nas costas, cansaço, calor, frio, inchaço, fome, vontade de fazer xixi, carência, etc... e, apesar dessas coisas estarem relacionadas, supostamente, ao tal do filho deles, eles não sentem nada disso. Pelo menos não a maioria.

Os meses passam e o bebê cresce, nossa barriga também. A deles, só se for de chope e alimentação ruim. 

O bebê mexe... e eles só vão sentir muito depois. 

A paternidade é abstrata. Até o nascimento do bebê. Ou até imediatamente após.

A maternidade, não. É concreta, concretíssima. Desde o primeiro momento.

Toda vez que ganhamos alguma coisa para o bebê, o Fá faz uma careta. É o bebê ficando concreto.

É mais do que isso. É o medo. O mesmo que nós, futuras mães, temos. O de não dar conta, de não ser suficiente, de falhar. Da responsabilidade.

Ele tem medo de não ser capaz. 

E um certo estranhamento por essa pessoa na qual vem se metamorfoseando a companheira dele. 

Uma barriga de esquistossomose estalando no corpo magro da fêmea dele. O cansaço. A impaciência. A fome. 

O que fazer com essa criatura nova?

Ele faz o que pode: ele ama. Tem paciência. Alimenta. Muitas e várias vezes. Às vezes faz massagem nos pés. Cede o espaço na cama. E os travesseiros. 

Faz que não vê aqueles dias em que ela está obcecada com a maternidade, ou mais especificamente, em descobrir como são as mães, o que elas comem e como elas surgem.

Aguenta as sugestões de nome que irrompem no meio de qualquer conversa. Inclusive sobre o escândalo na Petrobrás.

Ouve os relatos, os mil relatos dos sonhos estranhos. E até comenta.

Tenta entender as conversas sobre parto. Assiste o documentário sobre violência obstétrica que a namorada quer por que quer que ele veja.

Acompanha as informações sobre a evolução da gestação. "Agora, ele tá do tamanho de uma azeitona". "Ei, já tem cabelo". 

Toda a semana, ele tira uma foto da mulher grávida. Para a posteridade. Para que ela se veja, de alguma forma, nessa casa sem espelho, e se reconheça nessa nova pessoa.

Nesse meio tempo, ele se afeiçoa. À barriga. Ao filho que vai dentro dela. Ainda que ele ainda não tenha nome e seja, ainda, muito abstrato.

Ele conversa. Dá conselho. Ou, simplesmente, o acaricia, o beija.

Ele faz, até, uma promessa.

Ele vira pai. Já é. E nem sabe.


sexta-feira, 21 de março de 2014

É bom alertar que você deixa de ser uma pessoa. 

Você vira uma espécie de entidade.

A grávida.

Ou a gravidinha. 

Ainda que você se sinta você mesma, um pouco mais incomodada com o calor do que o normal. E com muita fome. Sono. E vontade de fazer xixi.

Talvez isso não aconteça às grávidas preparadas, assim entendidas aquelas mulheres que estão realizando o sonho de gestar um bebê. 

Essas, psicologicamente preparadas para se tornarem mães, ou ao menos, admiradoras da idéia, talvez não tenham esse estranhamento.

Eu tive. Confesso que ainda tenho.

Existe, de fato, uma Karla grávida. Agora, especialmente, que a barriga já é visível, e é mais fácil (para não dizer que o contrário seria impossível) compactuar com o conceito "gestação". 

Mas, continua existindo uma Karla que não está grávida, que não será mãe. Que talvez se manifeste muito mais raramente no futuro. Alguém que não tinha essas preocupações.

Que não lia a bula do repelente para checar se é contra indicado para grávidas. Que não se preocupava particularmente em ter uma alimentação saudável ou equilibrada e quando pensava em comer algo gostoso, provavelmente estava se referindo a um hamburguer, e não a qualquer comida cor de laranja, especialmente mamão (essa fruta tão sem graça de antes).

Alguém que ainda cabia confortavelmente na parte de cima tamanho P do seu biquíni. 

Uma pessoa que não achava que ficar acordada até meia noite era o máximo da balada.

Essa pessoa ainda existe. Mas, não é mais vista. Não pelo mundo exterior.

O externo, os outros, só vê a grávida. Essa entidade, esse ser que está gerando outro.

Todos os seus atos e vontades passam a ser avaliados dessa premissa. A da grávida. Ou, na verdade, do que se espera de uma.

A gravidez te rouba. Desconfio que muito mais do que o sono e as cervejas. Ela te despersonaliza um pouco. Te transforma nesse ser sagrado, que você sabe bem que não é e talvez na pele de quem você não se sinta confortável.

E por mais que isso te choque ou chateie, é inevitável. Você está grávida.

Você É grávida.


quinta-feira, 20 de março de 2014

Por esses dias, já quase na metade da gravidez, assisti um vídeo (desses do youtube) sobre formas fofinhas e impactantes de contar à família que se está grávida.

Coisas como colocar sapatinhos de bebê em caixas de presentes para as avós; perguntar ao sogro se ele prefere ser chamado de sogrão ou de vovô; dar um cartão de "feliz dia das avós"... e por aí vai.

Não tivemos nenhuma idéia (sim, eu sou contra o acordo ortográfico) do gênero. Mas, como estávamos às vésperas do Ano Novo, resolvemos aguardar até lá para contar a novidade.

Entre o dia da descoberta, digo, confirmação da gravidez (27/12) e o Ano Novo, tínhamos longos 4 dias pela frente. E uma viagem de carro de 14 horas até Florianópolis. Com minha mãe e irmã como passageiras. 

E eu, claro. Grávida e com infecção urinária. 

E o Fá. Pai, ainda sob os primeiros impactos da notícia. Fazendo todas as curvas do caminho a 10 por hora. Tentando sacolejar o mínimo possível. E tendo que parar em todos os postos de gasolina da estrada para a moça aqui fazer xixi.

Queria dizer que foi divertido... não foi. Pelo menos não enjoei. E a infecção urinária serviu como desculpa perfeita para o meu descontrole urinário.

E para a minha abstinência alcóolica. Embora minha irmã tenha duvidado que eu fosse ficar sem beber "até no Ano Novo". 

Para a leseira que me acometeu assim que chegamos em Floripa, a desculpa foi o calor. Minha pressão é normalmente baixa (9X6). Sempre fico meio mole na praia... e com esse calor todo... 

Para o espanto da minha irmã "nossa! Como você tá peituda!", eu murmurei um "ah... eu tô pra menstruar..." e desconversei.

O Fá eventualmente tinha ondas de euforia paternal alcóolica e soltava um "você está carregando meu herdeiro" ou "a mãe do meu filho" ou qualquer coisa do gênero. Porque realmente os bêbados devem ter alguma proteção sagrada, ninguém - pelo menos não sóbrio o suficiente para entender - percebeu nada.

Enfim, o Ano Novo chegou.

Fomos à praia. 

Um pouco antes da meia noite, meu irmão, que ficou em Sampa ligou. Afastei-me da galera para falar com ele. 

Congratulações de praxe... e, enfim, vamos a ela. A notícia.

"Então, se cuida bem esse ano... vou precisar de você para cuidar do bebê. Você vai ser tio!"

Silêncio do outro lado da linha. E então: "tio?! A Ju está grávida?"

Isso resume um pouco a expectativa da família em relação à possibilidade de eu procriar, não? 

"Não. Eu estou grávida."

"Sério?! Sério mesmo?"

"Sim, sério. Estou grávida. Dois meses. Deve nascer perto do seu aniversário".

Silêncio, de novo. E um abrupto: "Vou ser tio? Cara, preciso pensar a respeito". E eu fiquei ouvindo o tu-tu-tu da ligação interrompida.

É. Não fomos os únicos a entrar em choque.

A segunda foi minha sogra. Ela estava bem adoentada na época e tomando remédios fortíssimos. 

Estava meio grogue ao telefone. Respondeu com um "É? Agora você tem que tomar juízo, Fábio". Ficamos na dúvida se era uma recomendação para o ano novo. Ou para o futuro pai.

E, então, só restavam os presentes. Por coincidência, minha irmã, mãe e cunhado estavam reunidos numa espécie de círculo. O Fá e eu nos aproximamos e paramos quietos, entre eles. Minha mãe perguntou o que tinha acontecido.

"Nada. Só vim aqui dizer que estou grávida". 

Acho que eu não tinha bem terminado a frase e minha mãe estava gritando e pulando sobre mim; minha irmã estava chorando e meu cunhado estava tendo uma trip particular com a notícia + o álcool da noite (ele parecia estar se divertindo).

Fiquei na dúvida se abraçava minha mãe, ou amparava minha irmã. Na verdade, fiquei preocupada. Por que ela estava chorando, afinal? Meio soluçando, ela explicou que era de felicidade.

"Eu vou ser tiiiiiiiiiaaaaaa".

De fato, não há nada demais nesse relato. Uma família partilhando uma notícia feliz. Tão emocionante, tocante e um pouco chocante quanto isso.

Mas, essa notícia em si tinha também um outro contexto.

Um contexto de perda e de ganho. O ano novo marcava pouco mais de um ano da morte do meu pai. 

O primeiro ano novo que conseguimos passar mais ou menos inteiros, depois disso. Sem a mágoa e os conflitos próprios que uma perda como essa traz. Sem acusações baseadas na dor.

Para usar as palavras da minha mãe, um renascimento.  

Não no sentido "reencarnação" da palavra. No sentido de seguimento, de continuidade. E, por que não, de recuperação. 

Uma vida. Uma nova vida. Um ano novo.


PS: no dia seguinte, meu irmão voltou a ligar para saber se o que ele pensava que tinha ouvido - que seria tio - era mesmo o que tinha sido dito. 

"Ká, aquilo que você falou ontem, é verdade?
"Aquilo o quê?"
"Que você tá grávida."
"Sim, é sim".
"Cara, eu preciso mesmo pensar a respeito". 

Para constar, ele se recuperou do choque... depois que eu expliquei que se tratava de um caso de concepção imaculada...